quinta-feira, 8 de julho de 2010

A cidade industrial

O fim do século XIX e início do século XX foi um período de grandes transformações na sociedade no que diz respeito ao modo de produção capitalista, que procurava se afirmar contra o antigo regime feudal. O que marcou essa afirmação e o fim da transição do feudalismo para o capitalismo foi a Revolução Industrial, a qual desencadeou grandes transformações, tanto no âmbito econômico, político e social.
A busca incessante pelo lucro levou ao desenvolvimento das indústrias e ao conseqüente crescimento desenfreado das cidades, dentro de um contexto de Estado liberal, cujos órgãos políticos não eram responsáveis pela criação de infra estrutura para os cidadãos, deixando isso a cargo dos especuladores de mercado.
Diante dessa realidade, foi instaurado o caos em muitas grandes cidades, com a população muito grande, sendo excessivamente explorada nas indústrias, sem infra estrutura adequada de moradia, uma vez que o mercado não produzia habitações de qualidade por visarem prioritariamente o lucro.
A fim de mudar esta situação, arquitetos e urbanistas da época pensaram em projetos de cidades que conciliassem o desenvolvimento da indústria com a inserção de infra estrutura adequada para os cidadãos, preocupando-se com a organização, a higiene, a racionalidade, a funcionalidade, a prosperidade, entre outros fatores. Um desses arquitetos foi Tony Garnier, que desenvolveu o projeto de uma cidade industrial em 1901, qual foi apresentado pela primeira vez em 1904.


“Fatores determinantes para o estabelecimento de tal cidade deveriam ser a proximidade de matérias-primas ou a existência de uma força natural capaz de ser usada como energia, ou a conveniência dos métodos de transporte. Em nosso caso, o fator determinante para a localização da cidade é o afluente que é a fonte de energia; também existem minas na região, mas poderiam estar situadas mais adiante. O afluente está represado; uma usina hidrelétrica distribui energia, luz e calor para as fábricas e para a cidade toda. As fábricas principais estão situadas na planície, na confluência do rio com seu afluente. Uma linha-tronco de ferrovia passa entre as fábricas e a cidade, situada acima das fábricas, num planalto. Mais acima, ficam os hospitais; estes, a exemplo da cidade, estão protegidos dos ventos frios e têm seus terraços voltados para o sul. Cada um desses elementos principais (fábricas, cidade, hospitais) fica isolado, de modo a tornar possível sua expansão.” (Tony Garnier: Prefácio a Une Cité Industrielle, retirado de FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997)
O trecho citado acima mostra a idéia progressista de Tony Garnier, que irá influenciar mais tarde toda uma geração de arquitetos modernistas. O arquiteto pensava na cidade como um todo, com todas as relações que a moviam, na separação das funções urbanas, na exaltação dos espaços verdes, como isolantes, e na utilização sistemática de materiais novos, em especial o concreto armado. Seria uma cidade organizada em função do trabalho industrial e para o bem estar dos operários.
A região escolhida para o estudo do projeto da cidade industrial foi uma região localizada no sudoeste da França, pela presença de matéria prima, força motriz para a indústria (por meio da hidroeletricidade) e facilidades de circulação, pelo fato de existir uma estrada de ferro próxima a área.
Planta da cidade industrial:
1- Cidade Antiga
2- Estação Central
3- Bairros residenciais
4- Centro
5- Escolas primárias
6- Escolas profissionais
7- Hospital
8- Estação
9- Zona industrial
10- Estação industrial
11- Cemitério
12- Matadouro
As ruas na cidade industrial se configuravam de forma paralelas e perpendiculares, sendo que a rua principal partia da estação da estrada de ferro e ia de leste para oeste. As ruas norte-sul tinham 20 metros de largura, com implantação de árvores dos dois lados. Já as ruas oeste-leste tinham 13 ou 19 metros de largura, sendo que as de 19 metros eram arborizadas somente no lado sul, e as de 13 metros não possuíam arborização.
Garnier determinou que no centro da cidade fossem dispostos os estabelecimentos públicos, separados em serviços administrativos e salas de assembléias, coleções e estabelecimentos esportivos e de espetáculos. Os estabelecimentos de coleções foram localizados em um parque limitado ao norte pela rua principal, e corresponde às questões históricas (arqueologia, artes, indústria e comércio). Os estabelecimentos esportivos e de espetáculos foram situados no mesmo local em que os de coleções, e possuem sala de espetáculo, apresentações ao ar livre, ginásio, casa de banhos, quadras, pistas, entre outros, enquanto que os estabelecimentos de serviços administrativos e assembléia foram dispostos ao sul, limitados por um terraço ajardinado. Dentre os serviços oferecidos destacavam-se o cartório, tribunal de justiça, escritórios, laboratórios de análises, arquivos administrativos, serviços de organização do trabalho, hotéis, restaurantes etc.
Dentro da zona industrial, a fábrica mais importante era a metalúrgica, uma vez que as minas próximas fornecem matéria prima. Era cortada por grandes avenidas arborizadas, e entre ela e a cidade passava uma estrada de ferro que interligava as regiões. Os estabelecimentos sanitários, dentre eles hospital, helioterapia, doenças contagiosas e inválidos ficavam situados na montanha ao norte do centro da cidade, protegidos dos ventos frios.

(Conjunto Hospitalar)


(Centro de Helioterapia)

Com relação às residências, os quartos deveriam ter no mínimo uma janela grande com orientação para o sul, para a entrada de raios solares. As quadras de setores residenciais deveriam ter 150 metros no sentido leste-oeste e 30 metros no sentido norte-sul, sendo que os lotes deveriam ter 15 por 15metros, com um lado voltado para a rua, sendo que cada habitação poderia ultrapassar seus limites, desde que a área construída não extrapolasse a metade da área total do terreno, cuja função se destinava a um jardim público utilizado por pedestres. Esta proposta aliada a ausência de muros proporcionaria a livre circulação da cidade em qualquer sentido, sem que se precise passar pelas ruas. As escolas primárias foram inseridas no tecido residencial cercadas de jardins, enquanto que na extremidade nordeste ficavam as escolas secundárias, as quais ofereceriam cursos de administração e comércio, para jovens de 14 a 20 anos, além de escolas profissionais artísticas (arquitetura, pintura, escultura, ferro fundido, design de móveis e roupas) e cursos de indústria (metalúrgica e preparação de seda).
A estação mais importante da cidade industrial se localizava onde estavam os maiores prédios com a finalidade de concentrar os transportes. Mas existiam outras estações, como a que ficava no grande cruzamento que vinha da cidade com as ruas que levavam a cidade velha, a dos comerciantes (situada mais a leste) e a da fábrica (situada mais a oeste).
“A proposta de Garnier previa claramente a separação das diferentes funções da cidade: trabalho, habitação, tráfego e recreação. Garnier alocava cada uma dessas funções num espaço próprio, de modo que uma futura expansão de qualquer uma delas não implicasse a alteração das outras. Seus longos blocos residenciais, com suas áreas verdes, eram planejados de modo a formar unidades de vizinhança, com suas próprias escolas e todos os equipamentos necessários. Os projetos para cada edifício, que compreendem todos os detalhes construtivos e estudos para disposição de moveis, com freqüência antecipam futuros desenvolvimentos de maneira surpreendente. O principal material de Garnier, o concreto armado, era empregado para cegar a novas soluções para suas escolas, estações ferroviárias, sanatórios e residências.” (GIEDION, 2004, pág. 816)


Bibliografia
GIEDION, Sigfried. Espaço, tempo e arquitetura. O desenvolvimento de uma nova tradição. São Paulo, Martins Fontes, 1ª edição , 2004
BENEVOLO, Leonardo, História da Arquitetura moderna - 3ed - São Paulo: Perspectiva, 2001.
BENEVOLO, Leonardo, História da cidade - 2ed. - São Paulo: Perspectiva, 1993.
FRAMPTON, Kenneth, História Crítica da Arquitetura Moderna - São Paulo: Martins Fontes, 1997.

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